domingo, 10 de abril de 2011

O MESTRE

Não sabia o que fazer, fez o que sabia. Saiu-lhe uma obra díspar, diferente, captando influências de todo o mundo, algo transcendente. Foi a sua primeira “obra de arte”, outras se lhe seguiram. Tudo era inexplicável, só a beleza conseguida, a impressão causada, revelavam a natureza da obra.
Quando lhe perguntaram o que pintava, em vez de se quedar por dizer que fazia arte, a explicação da maioria dos artistas que não sabe o que faz, disse fazer o que via abrindo os olhos sobre a tela até vê-la preenchida com o que sentia dentro de si.
Foi explorando determinadas cores predominantes, procurando desenvolver contrastes e cambiantes dos seus coloridos. Deste modo criou várias “Épocas”, tendo esse sido o título da sua primeira exposição.
Subitamente deixou de pintar, dedicando-se inteiramente ao desenho. Primeiro explorou o carvão, a mancha, o chão das formas. Deste modo se identificou com alguém que procura escavar abaixo da superfície, chamou “Matéria Mineral” aos seus desenhos a carvão.
Não tardou a passar para os lápis de cor, primeiro só lápis de cor. Corria os gestos, desenhando as formas, como quem explora as possibilidades da dança dos gestos, numa escrita colorida. No final desta fase começou a fazer micro desenhos em espaços abertos na cor, utilizando a minúcia do pormenor, com lápis de grafite. “Fios de Luz Com e Sem Gravuras” foi um nome longo, quase descritivo, da tendência de transformar a sua arte numa escrita.
De seguida abandonou os lápis de mina, passando aos lápis de cera. Começou a usar a técnica das manchas, recordando as suas experiências com o carvão. Também o risco simples, entregue ao bailado dos gestos. Não demorou a criar “Metamorfoses”, uma exposição onde incluiu um último quadro que serviu de ruptura com mais uma “época” da sua arte, incluindo o uso do pastel.
Finalmente voltou-se para o guache, parecendo voltar a sua necessidade de explorar os contrastes e cambiantes da cor. A paixão nas cores quentes e fortes, da melancolia e melodia nas cores ténues e fracas, segundo uma classificação pessoal, baseada no poder da emoção sobre o sentido dos sentidos. Nesta fase as suas exposições deixaram de ter nome, “José Maria Expõe Guaches e Aguarelas”.
Já era o artista a ver o seu nome associado à sua arte, suplantando-a? Nunca explicou a ausência de títulos quando entrou numa nova “época”, pintava agora a acrílico, quadros brilhantes, cheios de luz, explodindo de cor “Fusões”. A arte alquímica assumira o labor o artista, trabalhava no cadinho do cuidado extremo da superfície do quadro, dando-lhe camadas de verniz, tornando-a lisa e brilhante.
Não tardou a mostrar quadros a óleo, mais caros, valorizados pelas texturas, associando algumas colagens de tela sobre tela. Foi “A Minha Forma de Tê-la” o nome dado a essa exposição de pinturas de grandes dimensões. Pensou-se que o pintor tinha atingido a sua “idade institucional”, disputado por importantes mecenas e clientes, desejosos de poder apresentar como suas obras dele.
Deixou de pintar e dedicou-se à escrita, desenhava letras: a tinta da china, caneta, lápis, lapiseiras, lápis de cor, lápis de cera. «Só quero escrever a fazer será, não quero dizer mais que isto sobre aquilo que agora faço», acabou expondo “A Arte da Caligrafia”. O que mais chamou a atenção dos críticos foi o cruzamento do desenho com a pintura, começara a pintar dentro das letras e a cruzar aguarela com pastel, acrílico com base para a pele do rosto, rímel com pó de arroz, alargando o tamanho das letras até expor “ALFABETO MAIÚSCULO” primeiro, concluído com “alfabeto minúsculo”. Nesta última exposição o pendor da escrita atingira as proporções do inusitado, começara a combinar pontuação e letras.
Quando deu a conhecer as suas esculturas, foi pasmo associado ao espanto, o espaço da exposição transformou-se em canto: “O Encanto da Poesia: Meu Canto”. Este regresso a um título quase figurativo da descrição deixou sem fala toda a gente em “Mudo de Moda”, uma exposição mais pequena e restrita de obras associadas entre si, como SE/se trata-se duma instalação de Poesia (mais uma vez, sob cada uma das obras, as letras do abecedário).
esta época já não se deixava fotografar, nem dava entrevistas. Quando morreu tornaram conhecido o quadro “Epitáfio”, «O silêncio fala de dentro»: um O até aos limites da tela, dentro dela:

2 comentários:

  1. Francisco,
    Quero pedir-lhe desculpa pela ausência, este semestre adivinha-se bastante trabalhoso e o tempo não tem sido muito.
    Li com muito agrado. A versatilidade da arte na sua forma de dizer mundo.
    É do que sinto mais falta, mãos de dedos infindos na arte de ser.

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  2. A arte manifesta-se de diversas formas. A tua, manifesta-se na genialidade da escrita e no teatro. Texto critica informaitva, muito boa.
    «Deixou de pintar e dedicou-se à escrita, desenhava letras: a tinta da china, caneta, lápis, lapiseiras, lápis de cor, lápis de cera. «Só quero escrever a fazer será, não quero dizer mais que isto sobre aquilo que agora faço», acabou expondo “A Arte da Caligrafia”. O que mais chamou a atenção dos críticos foi o cruzamento do desenho com a pintura, começara a pintar dentro das letras e a cruzar aguarela com pastel, acrílico com base para a pele do rosto, rímel com pó de arroz, alargando o tamanho das letras até expor “ALFABETO MAIÚSCULO” primeiro, concluído com “alfabeto minúsculo”. Nesta última exposição o pendor da escrita atingira as proporções do inusitado, começara a combinar pontuação e letras.».
    No O «silêncio fala de dentro», do Mestre.
    Belíssimo texto.
    Bjito amigo

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