Com facilidade compro um pequeno livro que me prometa uma a duas horas de leitura, a ele me entregando como se estivesse a comprar um bilhete para assistir a uma sessão de cinema. Estou a falar dum filme muito particular, a imaginação que se projecta dentro da cabeça do leitor. O cérebro, com todas as suas formas variadas, um paraíso para as mais diversas e fantásticas fantasias, presta-se para ser o cenário ideal de tudo que nos espera, do que procuramos.
Aconteceu-me mal peguei na caneta que me deste pelos anos sentir que tinha de escrever uma obra, desdobrar-me em letras e palavras, obrar uma obra. Não se trata duma coisa que saiba explicar muito bem, com o correr dos dias foi-me ficando claro ser meu desejo escrever um livro, poder oferecer-to. Tanto quanto a ideia, agradava-me este: oferecer-to.
Com o passar dos dias, cada vez retirava mais felicidade da entrega à escrita. Cada dia me ocorria um episódio qualquer, escrevia e era como uma purga, uma limpeza da alma. Pouco tardou para perceber estar a ter uma transformação interior, começava a sentir-me escritor, a querer escrever. Isto permitir-me-á dizer que da ideia mais ou menos poética de querer escrever um livro, começava a sentir necessidade de descobrir esse livro a crescer dentro de mim.
A primeira tentativa de fazer um esquisso da obra, foi um dia memorável. Era agora a minha vez de te dar uma prenda de anos, comprei-te uma camisa de dormir. De seguida entrei numa papelaria procurando papel e fita para fazer um embrulho, solicitando ajuda à jovem que me atendeu. Ela foi colaboradora e interessou-se pelo meu pedido, a ponto de me perguntar o que seria a prenda a embrulhar. Informada, sugeriu-me um papel muito fino e sedoso, como se fosse "um cetim branco". Esta imagem sugerida, pertence-lhe.
Creio que se tenho levado a caixa onde a camisa foi embalada, ela mesmo teria feito o trabalho. Veria, embrulhada sobre um fino cartão, para conservar um arranjo que permitia observar o bordado da gola com seu rendilhado e beleza, a camisa de dormir. Isso agradar-me-ia, pois ainda estou a imaginar como terás visto a camisa de dormir pela primeira vez. Quanto ao esquisso, imagina como fiquei sonhador a olhar para a folha que me foi sugerida para fazer o embrulho quando, tendo-a desdobrado, a colei na parede do escritório onde agora volto a estar e continuo a procurar escrever.
O problema não era nada simples, queria ser capaz de delinear sobre aquela folha lisa e brilhante dum branco forte espesso e aveludado, macio e fino ao mesmo tempo, as ideias com os temas e a trama, fazendo a teia onde tentaria apanhar a acção com o seu enredo. Procurava pois uma rede, como se fosse ser trapezista e desejasse uma garantia qualquer duma maior segurança, evitando cair e magoar-me em contacto com o chão duro duma realidade que sempre nos surpreende, por vezes magoando, quando uma caricatura mostra a figura desfigurada do que fazemos.
Era como se quisesse encostar a minha cabeça sobre o teu peito macio, beijar o teu colo, sonhar acordado. Imaginei que escrevendo com a tua caneta minha, deixando que as linhas das letras formando palavras visíveis do exterior do embrulho, produzissem um efeito imediato de qualquer coisa mágica e pessoal, uma atracção!...
Como sabes, acabei por não escrever nada, isso marca tudo o que agora escrevo. Fui-me tornando cada vez mais o escritor que agora lês, ganhei uma segurança que me permite escrever sem rede. Basta-me acreditar encontrar as tuas mãos no espaço, ver-te verte como a tinta que corre da caneta de tinta permanente. Apanho as tuas mãos com a precisão dum malabarista, para esse efeito bastou-me continuar a praticar e desenvolver a transformação interior até a conseguir exteriorizar. Neste momento dei nome à história que te conto e transformei-me completamente até já não ser eu, passei a ser ela.
Não podendo estar contigo quando desembrulhares a tua prenda, espero me saibas transmitir o que sentires quando, depois de te ver com a camisa de dormir, a retirares deixando-me sentir sobre o papel a tua pele, enquanto escrevo.
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