Eu sou uma mulher calma e paciente, ponto. Se o que vou contar me desdisser, de forma desprendida aceitarei o resultado dos meus atos.
Esta possibilidade do que dizemos ou fazemos fazer ou dizer o contrário do que desejamos, cremos, acreditamos e somos!? Ah, de bom grado me ponho em causa antes de começar a contar a história, talvez preferisse ser homem nesta história. Na verdade, acho que ninguém fica muito bem na fotografia. Nem sei mesmo se devo contar a história, para que escrevemos contos? Com este não irei adormecer ninguém, gostaria que a história fosse electrizante! Com todas as minhas hesitações já me começo a sentir estúpida, talvez imbecil? As duas coisas muito possivelmente, primeiro porque não resolvo nada, de seguida porque a fraqueza parece dominar o meu perfil.
Imbecil, sim. Escolho ir por este caminho da auto-punição, sem procurar a auto-crítica, nem explorar o ponto de vista do outro. O outro seria o meu namorado, aquele que sofreu as consequências duma cena de ciúmes ridícula, absurda, histérica, mais alguns adjectivos dos quais perdi o rasto e não interessa procurar, já que ela não decidiu ser ele e ele ou ela talvez caiam sobre a alçada dum narrador que se diverte a fazer um guião duma cena ridícula.
Ela não tem razão de queixa dele, namoram porque não se vêem a apresentarem-se como este é o meu homem ou esta é a minha mulher. Já o namorado ou namorada, parece ser mais simples. Ah, está-me a dar de novo, estou quase a desistir de contar a cena triste de novo. A culpada de persistir é a minha amiga Camila, a quem chamo camela quando quero insultar, sempre na brincadeira pois é esperta, amorosa e… é para ela que escrevo esta prosa.
Pois é, isto é um castigo. Não sabes porque fizeste o que fizeste? Vais escrever como quem conta um conto, um sonho, uma história. Tenta ser objectiva, falar de algo vivido e deixa acontecer a história. Quando chegares ao fim dizes: ‒ Vitória, vitória, acabou a história! Sentir-te-ás melhor, posso garantir-te. Disse ela, eu acredito. Logo logo... porque, só de ter acabado, será um consolo.
A minha amiga falou de catarse, o que me convenceu foi dizer que o seu interesse também faz parte do estudo que anda a fazer: a interpretação dos sonhos, segundo a interpretação psicanalítica do Freud. Terá sido pelo Freud, pela psicanálise, pela Camila, pela catarse? Também gosto desta ideia. Contudo, com tudo, a possibilidade de desdizer o que venha a dizer, a efabulação que possa dar ao que escrevo, as resistências que coloco no enredo e a forma como venha a ultrapassar toda a trama que possa ou não montar na forma como conto o acontecido isso, diz a Camila, é a parte mais rica para a desmontagem dos obstáculos que criamos à realidade. Pode ser essa a forma de melhor vir a tornar compreensível o que não percebo, do que me aconteceu.
Acho que só vou dar o nome a uma das personagens, aquela que fica com a obrigação de desembrulhar toda esta embrulhada! Estou a ser mazinha? No meio disto, não me livro de estar a lidar com uma certa má consciência do que fiz. Embora, verdadeiramente, ache que não vou desdizer nada do que tenho a dizer. Estou a empatar, isso é verdade. Também, salvo erro, não devo estar enganada, estou a encanar a perna à rã para que o caso passe a merecer ser, ter, valer um conto. Então estou a trabalhar para a história, a entrar no folclore da ficção.
Neste caso, é bom que diga que as minhas influências literárias são as revistas e os jornais. As revistas na cabeleireira, os jornais, os desportivos do namorado, o da terra quando vamos ao café e ele se põe a ler a Bola ou o Recorde e eu vou ver as crónicas. É destas que retiro o gosto de acompanhar o pensamento de alguém que decide abordar um tema político, cultural, económico, religioso, pouco importa, gosto de ver os meandros por onde o pensamento vai tendo o seu curso. Imagino estar a fazer um rio, cá vou metendo água…
De resistências à história verdadeiramente a história não as têm, não tarda esvazio o saco, veremos como. É que isto é muito lindo dizer que vamos dizer, mas depois não sabemos se queremos mesmo dizer, finalmente estamos a fazer um conto. Neste momento é mais isto, deixar a minha amiga intrigada, o que é que esta “camela” está à espera para chegar aos factos? Vejo-a a vingar-se, a camela sou eu, a esperta é ela. Nisso até estamos de acordo, a camela da Camila é muito esperta! Até lhe dou graxa, tenho curiosidade de ver o que ela pode tirar desta tramóia do digo que vou dizer e sigo a dizer que vou e não chego a lado nenhum, adiando antes, adiante e depois. Depois hei-de contar e, quando o tiver feito, há-de ser como o que fiz, um disparate.
Estou arrependida, isto é para o Tó também ler a minha veia de romancista! Topam? Afinal não resisti dizer o nome do meu amor. Era o que faltava para me sentir inspirada, agora vai. Foi assim, ele é um ferrenho pelo futebol, tem coleccionado os posters com a equipe da sua predilecção. Regista em roda pé ou nas costas da fotografia a composição da equipa e sei que tem um grande amor a essa recordação que guarda, de ano para ano aumentando a sua colecção.
Na segunda-feira passada acendi um fósforo, queimei a foto com a equipa deste ano e guardei as cinzas dentro do pirex que serviu de pira ao meu lindo serviço! Pois é, foi isto e foi mal feito. Nada que ele não tenha já resolvido, com uma calma absoluta. Chamou a Camila e mostrou-lhe: ‒ Vê o lindo serviço da Vitória!...
Não foi só esta calma, foi a cama à noite. Deu-me uma cama tão boa, Nossa Senhora! Ah, e é o meu último: ‒ Ah! Esmigalhei, até transformar em farinha, o poster depois do queimar. Foi como se o estivesse a transformar, não em cinza... Pó das estrelas. As estrelas do futebol, pu-las a arder, vinguei-me do tempo que me roubam do meu Tó! Pô… as estrelas em pó.
Uma versão mais curta, para a_bordar… o mesmo tema, fica para amanhã.
Conhecedor da alma feminina, justifica os homens gostarem tanto de futebol, mulher é mesmo complicado. Grande parte Camelas, não caindo no pecado da generalidade ressaltando as outras muitas grandes e de extrema sintonia.
ResponderEliminarEspetacular, como sempre Poeta! Beijos no coração!
Querida bbrian, compensa lhe comentar, ocê retribui da maneira mais agradável. Beijos do coração!
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